7 de setembro de 2015

Metamorfoses | As Mil e Uma Noites: Volume 1, O Inquieto




O Cinéfilo Preguiçoso não descurou a sua missão durante o período estival. Metamorfoses (2014) sugere um saudável desejo de ruptura na obra de Christophe Honoré, depois do marasmo criativo que Os Bem-Amados (2011) deixava entrever. O filme esgota-se na sua ideia de base: uma transcrição para o cinema dos mitos de Ovídio, encenados numa França rural mas repleta de sinais da civilização. Algumas cenas plasticamente conseguidas não dissipam a impressão de um exercício inofensivo e inconsequente. A ruptura também existe em As Mil e Uma Noites: Volume 1, O Inquieto (2015), de Miguel Gomes, mas trata-se neste caso de algo interno ao fluxo do filme: fiel a si mesmo, Gomes subverte o esquema formal proposto ao espectador no início da obra e apresenta-nos um produto final que reflecte esse mesmo processo de reinvenção. O golpe de rins narrativo (a fuga do realizador e colaboradores próximos, obrigados em seguida a inventar histórias, à maneira de Xerazade, para aplacar a ira dos restantes membros da equipa), de uma comicidade pueril, é aplicado logo no início do filme e abre caminho para um mosaico de narrativas e vinhetas que traçam um retrato de Portugal contemporâneo com eficácia e lirismo: não faltam as referências ao desemprego, à troika e às eleições locais, mas também a temas aparentemente mais corriqueiros embora com óbvio interesse local (a vespa asiática). A impressão que fica, enquanto se espera pelos restantes volumes da trilogia, é a de liberdade e ousadia ao serviço de uma vontade urgente de ser fiel àquilo que foi e é o Portugal dos anos de chumbo da crise e do memorando de entendimento. E há que dizer que o episódio do galo é das coisas mais hilariantes e ao mesmo tempo mais realistas que o cinema português nos ofereceu nos últimos anos.