1 de fevereiro de 2016

Spotlight



A semana passada foi marcada pela morte de Jacques Rivette. O Cinéfilo Preguiçoso promete assinalar este desaparecimento com referências à obra rivettiana, se se achar em condições de o fazer sem resvalar para a homenagem sentimental nem para a banalidade biográfica.

Sem ser uma obra-prima inesquecível, Spotlight, de Tom McCarthy (2015) é interessante por vários motivos. Apesar de girar em torno do caso do escândalo dos abusos sexuais da Igreja católica, descoberto na diocese de Boston em 2002, este filme sóbrio não procede a qualquer exploração emocional excessiva da experiência das vítimas. Em vez disso, privilegia, por um lado, todo o trabalho de investigação que permitiu a denúncia deste escândalo e, por outro, a vertente mais colectiva e geral do problema. Os fãs de filmes sobre processos de investigação, como All the President’s Men/Os Homens do Presidente (Alan J. Pakula, 1976) ou Zodiac (David Fincher, 2007), com que Spotlight, aliás, partilha o actor Mark Ruffalo, são brindados com imagens de arquivos mal iluminados, papelada empilhada, telefonemas, entrevistas, pistas só tardiamente compreendidas, pressões, resistências, discussões, contrariedades burocráticas, atrasos, reconsiderações e revelações. Contudo, talvez a característica mais marcante de Spotlight seja chamar a atenção para a responsabilidade geral perante qualquer forma de mal que se silencia ou se deixa passar. No filme Hannah Arendt, sobre o qual escrevemos há duas semanas, a partir do nazismo reflectia-se sobre a facilidade com que se cede ao mal, destruindo os outros por omissão, por falta de atenção, ou por fracasso de pensamento (o conceito arendtiano de “banalidade do mal”). Em Spotlight reforça-se a ideia de que, assumindo uma vertente colectiva, o mal se naturaliza, parecendo insignificante; como observa o advogado Mitchell Garabedian (Stanley Tucci), “If it takes a village to raise a child, it takes a village to abuse one”. Outro dos méritos deste filme é mostrar como os heróis deste caso são afinal indivíduos relativamente obscuros, desvalorizados pelos naturais de Boston como excêntricos, forasteiros e estranhos, mas que, como Garabedian ou o editor Marty Baron (Liev Schreiber), têm o distanciamento necessário para lutarem pela justiça, sem ambicionarem qualquer tipo de reconhecimento por isso. De notar ainda que a banda sonora original, de Howard Shore, é excelente.