13 de março de 2016

Walden



Se quisermos identificar uma ligação essencial entre o filme Walden: Diaries, Notes, and Sketches (1969), de Jonas Mekas (n. 1922), visto na Cinemateca, e o livro do escritor americano Henry David Thoreau com que partilha o título, teremos de pensar nas atitudes do realizador e do escritor perante a vida. Em Walden; or, Life in the Woods, Thoreau explica que decidiu passar uma temporada numa cabana nos bosques porque queria «viver deliberadamente». De modo semelhante, Mekas afirma a dada altura no seu filme: «I live because I make home movies/I make home movies because I live». É verdade que no filme de Mekas não encontramos a distinção entre Natureza e civilização que Thoreau sublinha. Ainda que tenha filmado várias sequências em locais próximos da Natureza, Mekas nunca perde a ligação à cidade. Natureza e cidade estão ao mesmo nível: Mekas dá tanta atenção à vida dentro e fora dos apartamentos de Nova Iorque (incluindo cenários mais mundanos como um concerto dos Velvet Underground, uma sessão de discussão com Allen Ginsberg, um acto de protesto de John Lennon e Yoko Ono, uma sequência interminável de um espectáculo de circo, imagens de Central Park em diversas estações do ano, um encontro com Dreyer ou um gato em contraluz) como a tudo o que fica fora da cidade, na floresta, em povoações mais calmas, em casamentos  bucólicos e em casas afastadas da civilização em que um cão a roubar comida de pássaro pode ser o acontecimento mais importante do fim-de-semana. Referindo-se a esta torrente de imagens aparentemente arbitrárias e repetitivas, «sem drama, nem suspense, nem romance», entrecortadas por ocasionais separadores com palavras, alguns dos quais podem ser páginas do livro de Thoreau, Mekas interpela directamente o espectador em jeito de explicação:  «Tu, espectador, que estás aqui dentro, enquanto lá fora a vida continua a correr só por inércia, fica e vê apenas [...]. A vida corre tão depressa, que é provável que estas imagens não durem muito mais tempo» (citado de memória). Deste modo, as actividades de viver e filmar (indissociáveis para Mekas), bem como de ver cinema, são descritas como forma de resistência à inércia das coisas que acontecem só por acontecer. Mekas filma deliberadamente para que algo consiga persistir.