13 de novembro de 2016

L'Ombre des Femmes


Apesar de ter um cunho individual inconfundível, a já longa carreira do realizador Philippe Garrel (n. 1948), que começou na ressaca da Nouvelle Vague, tem estado em relativa sintonia com as principais fases do cinema francês: do experimentalismo e hermetismo dos anos 70, evoluiu para um naturalismo desencantado, pontuado por referências ocasionais à política e à história (por exemplo em Liberté, La Nuit, de 1983, e Les Amants Réguliers, de 2005). L’Ombre des Femmes (2015), visto pelo Cinéfilo Preguiçoso em DVD, insere-se nesta linhagem realista, embora a Paris filmada a preto-e-branco pelo lendário Renato Berta (que trabalhou com Oliveira, Resnais, Straub/Huillet, Rohmer, Godard e Rivette, entre outros) tenha algo de feérico: as ruas desertas, banhadas numa luz crua, parecem existir apenas para servir de cenário a encontros, perseguições e vigilâncias. O enredo poderia ser o de qualquer outro filme de Garrel: um casal, dois amantes, ruptura, reconciliação. O aspecto mais interessante e vagamente original do filme talvez seja a maneira como encena um esboço de introspecção e análise, concretizado pela voz-off (de Louis Garrel), que parece assumir a perspectiva da personagem masculina mas usando uma terceira pessoa onde cabem a cumplicidade mas também uma lucidez amarga. O final, ambiguamente feliz, pode ser visto como um prodígio de minimalismo emocional ou enquanto constatação de que o reencontro é tão arbitrário e despido de significado como qualquer outra peripécia amorosa. O que fica ainda deste filme saudavelmente avesso a mensagens profundas são os actores, quase todos soberbos: Stanislas Merhar, cuja personagem de ciumento patológico faz recordar o seu papel em A Prisioneira (2000), de Chantal Akerman; Clotilde Courau, cada vez mais interessante à medida que envelhece; e ainda a fabulosa Vimala Pons (vista em A Rapariga do 14 de Julho), num papel secundaríssimo. Por razões misteriosas (homenagem despropositada a Proust?), L’Ombre des Femmes foi traduzido em Português por À Sombra das Mulheres.